20 janeiro 2011

"Movimento Espírita e Capacidade Crítica", por Sérgio Aleixo


Prezados amigos leitores, leiam com atenção e reflitam acerca do conteúdo deste precioso artigo escrito pelo confrade Sérgio Aleixo, que consideramos muito pertinente ao estudos que nós aqui desenvolvemos e, principalmente, em total concordância com os critérios adotados por Allan Kardec, sob a supervisão do Espírito da Verdade.

"Em função de nossos posicionamentos críticos (do grego kritiké: análise, apreciação), somos frequentemente acusado de intolerância e prática excludente. Porém, nenhum de nossos pronunciamentos jamais é realizado sem o devido respeito à identidade conceitual do Espiritismo, sempre com superlativa importância dada à obra de Kardec, o qual fazemos questão de citar, em referendo a toda ideia que damos a lume.

Ante essas acusações, o que pensarmos? Que muitos espíritas não conhecem obra do mestre de Lyon e, assim, se equivocam em seus julgamentos; ou, então, que não fazem caso do que disseram ou deixaram de dizer o codificador e seus excelsos orientadores espirituais. Um erro dos mais lamentáveis é confundirmos o discurso viril de paz, amor e tolerância, próprio do corajoso exercício da verdadeira Boa Nova, com esse simplismo comprometedor, do qual Jesus, aliás, nunca foi partidário, que vive a dizer tão comodamente: “Vamos deixar de fofoquinhas, crianças! Vamos amar o próximo!”.

Não seremos nós os que se oporão à necessidade de amarmo-nos. Todavia, no que concerne a nossa atitude de repúdio ao roustainguismo, ao ramatisismo, ao laicismo e a outros focos de evidente mistificação, que grassam em nosso movimento espírita sob a complacência ingênua de uns e interesseira de outros, insistimos em que é a exemplo de Kardec que a tomamos, e em nome do próprio Espírito de Verdade, o qual disse também: “Instruí-vos!”.


Contudo, salientemos que nosso repúdio é às falsas doutrinas, não a seus profitentes, que consideramos nossos irmãos e a quem amamos, embora a recíproca nem sempre tenha sido verdadeira, o que prova a fonte malsã de tais proposituras. Citado nominalmente, já fomos tachado de irresponsável, antiético e mesmo agredido em nossa juventude, como se fosse desdouro não contar ainda, pelo menos, cinqüenta anos... Pobre de nós, que mal passamos dos trinta! São traços, não há dúvida, de um patriarcalismo completamente arcaico.

Seguro, entretanto, de nossa atitude, estamos, como dizíamos, ao lado do próprio codificador, que instruiu os verdadeiros adeptos do Espiritismo da seguinte forma:

'Falar dessas opiniões divergentes que, em definitivo, se reduzem a algumas individualidades, e não fazem corpo em nenhuma parte, não é, talvez dirão algumas pessoas, dar-lhes muita importância, amedrontar os adeptos em lhes fazendo crer em cisões mais profundas do que elas o são? Não é também fornecer armas aos inimigos do espiritismo? É precisamente para prevenir esses inconvenientes que delas falamos. Uma explicação clara e categórica, que reduz a questão ao seu justo valor, é muito mais própria para tranqüilizar do que para amedrontar os adeptos; eles sabem a que se prenderem, e nisto encontram ocasião dos argumentos para a réplica. Quanto aos adversários, eles muitas vezes exploram o fato, e é porque lhe exageram a importância, que é útil mostrar o que ele é'. (Revista Espírita. Abril de 1866. O espiritismo independente. Tomo IX. 1. ed. p. 116. Araras: IDE, 1997.)

A nossa postura é, então, a do próprio codificador do espiritismo; e nunca tão necessária foi, pois assumida numa época em que existe o agravante de essas opiniões divergentes da codificação não mais se reduzirem a algumas individualidades. Efetivamente, elas fazem corpo e ameaçam-nos a integridade conceitual, aumentando a distância entre o Espiritismo — a obra de Kardec e o que a essa obra de fato se possa articular — e aquilo que o movimento espírita vem professando em geral.

Estamos acuados por um institucionalismo igrejificante, muito centralizador, que cerceia o pleno exercício da capacidade crítica, elemento fundamental à proposta de uma fé realmente raciocinada. Por isso, muitos espíritas não chegam a desposar com a coragem que se esperaria os fundamentos doutrinais kardecianos. Apenas para não desagradarem a “a”, “b” ou “c”. Mas esquecem de que, para contemplarmos a Divindade, teremos de ser capazes de reconhecer sua dupla face: o Amor, sem dúvida; mas também, inapelavelmente, a Verdade.

Mestre e doutora em Educação pela USP, com dissertação e tese espíritas proclamadas em alto e bom som em pleno meio acadêmico — coragem que poucos têm! —, citemos aqui a ilustre confreira Prof.ª Dora Incontri, para que nos convençamos de que criticar não é fundamentalmente um vício, e sim uma virtude:


'A capacidade crítica é o preventivo contra a dominação mental de outras inteligências, encarnadas ou desencarnadas. É o discernimento justo para avaliarmos o bem e o mal e percebermos o que se esconde por trás das aparências. É a disposição de questionarmos pessoas e situações, sem medo de enxergarmos a verdade, pois por trás da descoberta e da justa avaliação de um problema, vem necessariamente o compromisso de nos engajarmos até o sacrifício para saná-lo. Assim, o espírito crítico, em relação a nós mesmos, a pessoas à nossa volta, a circunstâncias sociopolíticas, a respeito de formas de relacionamentos humanos ou de instituições e poderes constituídos é um desestabilizador do comodismo egoísta'. (A educação segundo o espiritismo. Cap. XVII. A educação intelectual. Potencialidades a serem desenvolvidas. O espírito crítico e a autonomia de pensamento. 4. ed. p. 171-172. São Paulo: Comenius, 2000.)"

Portanto, como pudemos apreender das justas explicações do amigo articulista, epistemologicamente falando, criticar é uma faculdade do ser humano em conjecturar, analisar, apreciar e exercer julgamento de uma determinada matéria ou assunto, emitindo posteriormente uma opinião pessoal sobre as impressões apuradas.
Em termos filosóficos, crítica é uma atitude que consiste em separar o que é verdadeiro do que é falso; o que é legítimo do que é ilegítimo; o que é certo do que é verossímil.

A crítica é comum a todas as pessoas, pois se trata de uma das mais fortes expressões da cognição humana. A partir do momento em que se vê, escuta ou sente-se algo, imediatamente o nosso senso de juízo delibera pareceres sobre o ocorrido a partir das reações psicológicas trazidas por essas sensações, o próximo estímulo é verbalizar e socializar essas idéias formadas.

E, finalmente, a partir de tais premissas, podemos verificar que a análise crítica se faz necessária em tudo, dentro e fora dos arraiais espíritas. Infelizmente, contudo, tem sido vista por boa parte do Movimento dito Espírita como um mal, confundindo-a com falta de caridade, intolerância, etc., conceitos esses que, em momento algum, encontram-se presente nas obras da Codificação Espírita, como aqui e alhures temos procurado demonstrar.